Posologia

Você sabia que ao ler um livro, um conto, ou mesmo uma poesia, cuidadosamente selecionado por seu biblioterapeuta, processos curativos importantes começam a acontecer na sua mente? Por meio dos textos que prescrevemos, das atividades que receitamos e das conversas terapêuticas pós-leitura que estabelecemos, você logo se perceberá melhor equipado e mais encorajado para lidar com suas questões e retomar a reconstrução da sua própria história.

O Processo Terapêutico

Para a Biblioterapia Clínica tudo começa com o diálogo.

Na entrevista inicial, junto com seu terapeuta, vocês primeiro procurarão identificar qual é a sua necessidade, a sua dor emocional  a ser atendida, para que a partir daí o processo terapêutico possa ser iniciado.

Por meio dessa conversa, através de uma escuta ativa e acolhedora, o seu terapeuta começará também a reunir as informações necessárias para fazer a seleção da literatura adequada para você. Estamos falando aqui de uma literatura que consiga  promover  uma ponte de identificação entre o texto e a situação que você está vivenciando.

Esse material selecionado então será usado como ponto de partida para explorar possíveis mecanismos de enfrentamento das dificuldades emocionais que você trouxer. E também para contribuir para um conhecimento mais aprofundado da sua história pessoal ou de outros fatores relevantes para a sua experiência terapêutica.

Os Quatro Estágios

Durante a leitura, ocorrem quatro momentos diferentes que constituem a base do processo terapêutico: 

Identificação: é o momento em que você se depara com um personagem, com uma história, um conceito, ou até mesmo com o jeito de se expressar do autor, e sente uma identificação entre seu próprio conflito e o do personagem. Quando estamos muito “cristalizados” dentro de uma ideia, ou de um sofrimento, é comum ficarmos presos em um círculo vicioso de pensamentos e de falta de perspectiva. A identificação com a dor e com a dificuldade do outro permite que haja um “deslocamento” que nos deixa enxergar nossa própria dor “pelo lado de fora”, de uma distáncia segura. Nesse caso, através da experiência do outro. É como quando você lê algo e se pega pensando: “Esse sujeito está dizendo exatamente o que eu diria. Parece que ele leu meus pensamentos.” ou “É exatemente assim que eu me sinto.” ou ainda “Isso aconteceu comigo também.”

Catarse: catarse é a palavra grega para “purificação”. As emoções são parte inseparável da experiência humana e temos uma conexão inata com elas. O autor pode, por exemplo, expressar um sentimento familiar com tanta clareza que traz à tona emoções que você pensava estarem enterradas há muito tempo. Durante a catarse, provocada pela identificação, você atinge um ponto de comoção interior em que ocorre uma liberação das suas próprias emoções e tensões até então reprimidas, fazendo com que  você experimente um alívio ao deixar que elas fluam livremente. Essa descarga emocional permite que as pressões internas sejam relaxadas fazendo com que você sinta como se um fardo estivesse sendo levantado das suas costas.

Justaposição: sem que haja uma orientação terapêutica, a maioria das pessoas interrompe o processo da Biblioterapia após experimentar a catarse e perde o benefício dos próximos estágios. A justaposição acontece quando dois conceitos (ou duas histórias – a sua vida e a vida do personagem) são colocadas lado a lado para serem comparadas e contrastadas. Com a ajuda do terapeuta, você pode começar a perceber, e a se apropriar das ideias do outro que fazem sentido para você. Quando o personagem consegue  encontrar uma solução para o problema dele, pode ser que ela seja útil para sua situação também. Ou talvez o comportamento, ou a atitude dele na busca de respostas, possam  ser o modelo e inspiração que você precisa para se empenhar na resolução das suas próprias questões. Há ocasiões também em que você simplesmente se dá conta de que precisa ir em uma direção totalmente diferente da que o personagem seguiu para alcançar um fim diferente daquele que ele alcançou. Este estágio é o seu momento “a-ha” onde você descobre algo novo e provavelmente vai se ouvir dizendo: “Eu nunca tinha pensado assim, mas faz sentido o que ele está dizendo (ou fazendo). Pode ser que funcione para mim também.”

Universalização: é o sentido que você retira do texto ao compreender que não é o primeiro, e nem o único, a se sentir de uma certa maneira ou a lidar com uma condição ou com seu problema específico. Você finalmente se dá conta de que não está sozinho em seu sofrimento. Com essa visão ampliada, seu mundo torna-se maior e, portanto, o seu problema não lhe parecerá mais tão grande quanto como você costumava enxergá-lo. Outros antes de você já experimentaram essa mesma situação, e encontraram uma maneira de passar por ela sem se perderem pelo caminho, e isso vai te encorajar a seguir em frente.

O processo envolvendo esses quatro estágios mencionados, e o que vai sendo explorado no diálogo terapêutico a partir deles, é o que distingue a Biblioterapia dos grupos regulares de leitura e dos clubes do livro.

O Pós-Leitura

Algumas atividades de escrita terapêutica podem ser propostas a você, logo após a leitura, com o intuito de facilitar um contato mais próximo com suas próprias emoções. 

Nos próximos encontros com o terapeuta, será iniciada uma conversa sobre as impressões que o texto te causou, as reflexões que você fez e os insights que brotaram dessa experiência em relação à sua vida.

Essa conversa evoluirá  então para as aplicações práticas desses insights  no seu cotidiano, na sua história e na sua habilidade de enfrentamento da sua situação.

Idealmente, a responsabilidade da escolha do material de leitura deve, ao longo das sessões, mudar do terapeuta para você mesmo, à medida que você for ganhando mais confiança e avançando para o término da terapia.

A transferência desta escolha coloca você no centro do seu tratamento, ajudando-o a desenvolver independência e a habilidade de fazer uso deste recurso de forma duradoura e vitalícia, podendo recorrer a ele sempre que sentir necessidade.